quinta-feira, 24 de abril de 2008

as artes performativas são políticas

Um objecto performativo, como qualquer produto artístico, pode ter uma dimensão política evidente. Recorrendo-se ou não à narrativa, é possível tomar partido de uma determinada facção ou de um ponto de vista, ou repudiar outros. Mas a dimensão política de um objecto performativo pode ser menos evidente. É o que se verifica quando se enunciam os constituintes de uma equação com dimensão social que não se destina exactamente a ser resolvida, mas antes a permanecer na fértil iminência de produzir sentidos múltiplos (equação na qual se inclui, não só o tema, mas também o modo de fazer o espectáculo). Então, cabe também ao público – o conjunto de receptores da obra – projectar-se de modo pessoal, interpretativo, nos conteúdos que a obra disponibiliza. Este último tipo de posicionamento pode ser identificado com o discurso “crítico” daqueles que, por um lado, pretendem despoletar a reflexão em torno da realidade (inalienavelmente política) e, por outro, não querem adoptar uma ideologia ou ser identificados com uma moral (moral ou ideologia querem ser aceites, não querem ser questionadas). É um lugar comum desse discurso dizer-se que, através dele, se pretendem colocar questões para as quais não se fornecem respostas.


Arte não é propaganda. Mas também nunca é politicamente neutra. Por um lado, nenhum produto artístico, mesmo que muito questionante, é isento de convicções ou de crenças. Como nenhuma pergunta o é. Ideologia não é apenas «esquerda» e «direita», mas também, por exemplo, «reaccionário» e «progressista» (designações, tal como a frase de Brecht que dá título a este projecto da mala voadora, usadas por Walter Benjamin). A reflexão crítica cumprida especificamente no âmbito operativo da arte assenta no equilíbrio entre uma certa objectividade ontológica e a evocação especulativa de sentidos. Por outro lado, se não for através do conteúdo, os produtos artísticos serão políticos no que se refere ao lugar institucional que ocupam (apesar de a exótica ideia de “autonomia da arte” pretender não considerar este facto).

1 comentário:

miguel loureiro disse...

há um conto na literatura moderna que avança hipóteses de uma forma menos árida que a escrita analítica...foi apresentado num congresso de bruxaria nos anos sessenta (salvo o erro) na cidade de Bogotá...'o ovo e a galinha'.
Clarice Lispector