domingo, 1 de janeiro de 2012

01.01.12

Não foi uma opção deliberada, mas foi-se tornando claro que a matriz de vários espetáculos da mala voadora desde Os Justos é a possibilidade benjaminiana de a técnica, enquanto conjunto de procedimentos, constituir território poético. A técnica de construção de cada espetáculo torna-se um componente do evento, tal como o eventual tema, o eventual texto, ou aquilo que se escolhe tornar presente na cena. A forma daquilo que é apresentado é tornada literal relativamente ao procedimentos que lhe deram origem – à sua construção.

.

Tentámos inventar um modo de fazer para cada novo espetáculo, contrariando a fixação de um qualquer método ou de uma qualquer linguagem – um exercício de permanente deslocação da especificidade técnica do teatro, ao serviço da especificidade de cada espetáculo. Para isso, recorremos muitas vezes à adopção de materiais e dispositivos exteriores à tradição teatral. Selos, bibelots ou maquetas como protagonistas do espectáculo, cinema ou locução, descrições de imagens, listas, arquivo, textos quase sempre readymade (sem estatuto literário), citações de obras de arte, etc. (Desempacotando a minha biblioteca, uma sucessão de cinco tentativas deliberadamente falhadas de fazer “teatro”, pretendia ser um manifesto contra o cânone da “encenação de um texto”, mas foi um insucesso porque não conseguimos que ele fosse lido desse modo.)

.

Trabalhámos a partir de coisas que, na sua diversidade, se encontram relacionadas com o quotidiano entre as suas dimensões mais políticas e as mais afectivas – coisas que observamos nos jornais ou noutros media, no nosso dia-a-dia e no dos outros, em alguma reflexão sobre o que pode a arte ter a ver com tudo isso. Vimos duas vantagens no recurso ao banal: fazer teatro com aquilo que toda a gente conhece (tentando garantir uma base para a comunicação); e confrontar o teatro com as contingências da produção cultural genérica que contextualizam e condicionam a sua prática e a sua leitura (tentando cumprir uma tarefa auto-reflexiva de natureza ideológica).

.

Este tipo de deslocações alheias ao cânone tornou-se um cânone no âmbito do trabalho da companhia. A adoção de materiais e recursos comunicativos exteriores ao teatro deixou de ser libertadora.

.

Não sabemos exactamente para onde vamos mas, neste momento (talvez desde single), tentamos usar “aquilo que é do teatro” com a mesma liberdade com que, antes, o substituímos por “aquilo que não é do teatro”. Tem-nos interessado a possibilidade de “contar histórias” para, com isso, tratar da História: o seu anunciado fim, o seu anunciado reinício, a ciclicidade, o falso novo, as revoluções, a vertigem das crises, o desejo de reinventar o mundo, de ficar na História, a heroicidade, os monstros, o tempo – um dos núcleos temáticos mais clássicos do teatro.

.

Continua a interessar-nos aferir o teatro como retórica. Como possibilidade e como retórica. E parece-nos cada vez mais fundamental a delicadeza de escolher entre fazer e não fazer, dizer e não dizer, entre avançar ou entrar em suspensão – o momento em que a resistência é máxima.

Sem comentários: