sábado, 19 de julho de 2008

agora que o espectáculo já existe

1. título

Ao título O decisivo na política não é o pensamento individual, mas sim a arte de pensar a cabeça dos outros, acrescenta-se agora, no final: (disse Brecht). É melhor que fique claro que se trata de uma citação.


2. discursos políticos

O espectáculo é sobre retórica: sobre o modo como é composta a comunicação de um qualquer conteúdo.

Para abordar este tema, optou-se por utilizar alguns dos grandes discursos políticos da história, cujo conteúdo foi determinante em relação ao que tem vindo a ser o destino do mundo (ou de Portugal em particular): Salvador Allende, Yasser Arafat, Chiang Kai-Shek, Winston Churchill, Álvaro Cunhal, Dalai Lama, Charles De Gaulle, Josef Estaline, Fidel Castro, Patrick Henry, Imperador Hirohito, Adolf Hitler, Muhammar Kadhafi, Vladimir I. Lenine, Martinho Lutero, Martin Luther King, Nelson Mandela, Mao Tsé-Tung, Benito Mussolini, Napoleão I, General Patton, Yitzhak Rabin, Oliveira Salazar, Andrei D. Shakarov, Shimon Peres, Mário Soares, Elizabeth Stanton, Aung San Suu Kyi, Leon Trotsky (e, agora, um hit dos Beatles). Mas como é de retórica que se trata, e como não há discursos políticos sem retórica, os discursos utilizados foram equiparados e justapostos independentemente do que julgamos ser a pertinência ou a perversidade de cada um. É precisamente a sedução comunicativa de que pode ser dotado uma qualquer proposição (designadamente as proposições perniciosas ou as ingenuamente revolucionárias) que o espectáculo visa. No que se refere aos discursos, pretende-se que o espectáculo, por um lado, afirme a impossibilidade de ausência de retórica (impossibilidade que se torna particularmente evidente sempre que o público se identificar com os discursos proferidos) e, por outro, evoque o perigo de uma relação entre o exercício político e o eleitorado reduzida à sedução produzida pela retórica.


3. pura retórica

Contra a possibilidade de uma arte de expressão objectiva ou isenta (na qual acreditaram alguns artistas conceptuais), Mel Bochner escreveu numa obra sua que “a linguagem não é transparente”.

Não só a linguagem é sempre retórica, como a retórica tem valor como conteúdo. O “modo de dizer” tem valor ideológico. Walter Benjamin enuncia esta possibilidade de modo claro na conferência “O autor enquanto produtor”: a técnica (ou a linguagem) utilizada numa determinada obra tem um valor ideológico na medida em que implica – ou reflecte mesmo – um determinado posicionamento face ao contexto produtivo da arte. No que respeita ao teatro, Benjamin toma como referência Brecht e o efeito de estranhamento, propondo assim a oposição dialéctica entre “o que se reconhece” e “o que se estranha” como estratégia privilegiada de crítica.

O espectáculo O decisivo na política... desenvolve-se abandonando este tipo de oposição dialéctica, a favor da autonomia da retórica. Abandona-se a discursividade própria dos discursos políticos (aquilo que, no espectáculo, se reconhece) para instalar em cena um outro tipo de discursividade: aquela que pode residir numa retórica desligada do que é reconhecível. No final, o sentido crítico, ou político, do espectáculo advém deste alheamento em relação ao universo lógico e factual no qual se inscreve o exercício da política tal como o re-conhecemos.

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