4 estrelas
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Estreada em residência em Guimarães durante a
Capital Europeia da Cultura, Dead
End surge como um cruzamento de
diferentes narrativas, criadas a partir de histórias locais, entre o mito e a
realidade, e propondo uma reflexão sobre o modo como o dispositivo teatral
permite, ao contrário dos romances tradicionais, uma construção em cadeia, cumulativa
e não necessariamente progressiva.
O diálogo entre a realidade sugerida pelo palco e a
projecção que essa verosimilhança pode activar tem sido uma base estruturante
do trabalho do colectivo Mala Voadora, mesmo que os resultados sejam desiguais.
Contudo, novamente partindo de um texto de Chris
Thorpe – como já o havia sido Overdrama (Culturgest, 2011) e Casa
e Jardim (CCB, 2012), que sugerem uma trilogia
sobre a implosão dos mecanismo narrativos –, a companhia encontra aqui um
momento inspirado, muito pelo modo como deixa que seja o texto a fazer
desaparecer as personagens e a permitir evidenciar o jogo dialético entre papel
e comportamento social.
Criadas, padres, seguranças, executivos, mas também
crianças, velhos, mulheres, homens ou assassinos, burlões e vendedores surgem
aqui como se pudessem representar todos um jogo social, explorando as
definições sociais como modelos ficcionais e aproveitando as elipses
dramatúrgicas para introduzir a ambiguidade na definição das personagens.
Destaque merecido, de um elenco coeso, para Tânia Alves e Mónica Garnel pelo
modo como transcendem essa ambiguidade entre narrador e protagonista e expõem a
difícil composição no qual se sustenta o jogo de actor que lhes é pedido.
Este modo de expor em evidência as contradições de
cada uma das histórias, permite que a encenação trabalhe um texto onde nem
todas as histórias são desenvolvidas e onde aos actores é pedido que operem
dentro de um quadro referencial que combina o popular com referências a filmes
ou livros.
Ora, ocorre que o que de mais interessante guarda o
texto tem precisamente que ver com a reflexão sobre essa diferença,
nomeadamente no modo como sugere que sejam os actores a comportar-se como
contexto para as diferentes narrativas.
Há uma extensão do tempo a partir do contacto entre
os actores e os espectadores – ou seja, entre o tempo da ficção e o tempo da
observação –, como se o tempo narrativo tomasse conta do tempo real e, assim, o
prolongasse. Este efeito ilusório, aproveitado pela encenação para escapar à
construção de espaços fixos para cada uma das histórias, permite que cada uma
histórias perca a sua linearidade e sugira um cruzamento que é apenas virtual e
nunca real.
É este mecanismo de ilusória circularidade que,
tendo estado presente emOverdrama, surge agora como plataforma de compromisso entre o real e o credível.
Ou seja, entre o que nos parece possível e o que nos é sugerido.
Usando um dispositivo cénico em tudo semelhante a Overdrama, com cada história ocupando uma parcela do palco, disposta frontalmente
para a plateia e em paralelo com as outros espaços-tempo narrativos, o cenário,
no falso realismo característico de José Capela, é devedor de uma cultura de
cruzamentos entre a sugestão e a evidência. E, tal como a encenação, é uma
ampliação porosa de diversas realidade, permitindo que todo o palco se
transforme num duelo entre a bidimensionalidade das histórias e a sua
materialização através do princípio de verosimilhança sugerido pelo modo como
os actores corporalizam essas mesmas histórias e se permitem a transformar em
modelos genéricos nos quais os espectadores se podem encontrar.
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